quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Entrevista: Nivaldete Ferreira

A escritora Nivaldete Ferreira concedeu-nos uma entrevista nesta última quarta-feira, dia 01. A poetisa falou sobre o seu primeiro romance, Memórias de Bárbara Cabarrús (2008), e os seus trabalhos com a poesia, teatro e a música, além do seu prazer pela pintura e fotografia. Abordou também a sua relação com a palavra e como se origina o seu texto, discutindo temas como estilo e o seu fazer poético. Nivaldete, que também é professora do Departamento de Artes da UFRN, falou sobre as suas “máscaras” e o desapego de seus livros, lembrando dos seus caminhos que vão desde Nova Palmeira (PB) até a sua chegada em Natal – “Memórias são ácidos e brinquedos. Mais ácidos que brinquedos, talvez”.

Foto: Canniggia de Carvalho
PET: Como, quando e por que começou a escrever? Como nasceu a escritora?

Nivaldete: Eu acho que a gente nunca sabe por que quer escrever, eu acho que é um vício, talvez pelo gosto da leitura. Pode derivar daí o gosto por escrever. Eu acho que é querer experimentar aquilo que experimentou lendo, experimentar fazendo, produzindo, é como quem come um pão e quer fazer o pão com todo o atrevimento. E como eu nasci em Nova Palmeira que, no tempo, nem cidade era, a leitura era a minha diversão, era o meu parque de diversão, era o que eu tinha para fazer. Então eu acho que me entreguei muito e comecei a escrever por uma necessidade, escrevi até sobre a praia sem ter visto praia, só de ouvir falar. Minha mãe falava de uma menina perdida numa praia, a menina era eu que já estava perdida e não sabia.


PET: Como se origina um texto seu?

Nivaldete: Vou começar de Sertania. Quando eu mudei para cá eu senti uma certa saudade de lá, uma saudade que eu, mais uma vez, fui resolver com palavras, e senti vontade de escrever, não mais em prosa mas numa provável poesia, numa possível poesia, a lembrança, o vivido lá. Em Trapézio e outros movimentos é diferente, é um livro de leitura difícil até para mim mesma hoje. Mas é que na época eu estava bastante tocada por Cummings e Paul Celan que têm uma escrita muito difícil, se bem que eu leio com a tradução, mas o poema é sempre muito difícil. E o prefácio de Paul Celan que eu tinha, eu guardei tão bem guardado que parece que às vezes eu escondo de mim só para encontrar depois. O prefácio dizia que Paul Celan escrevia de uma forma propositalmente obscura, difícil, porque a linguagem coloquial, comum, já não comunica mais, ela já se esgotou como auxiliar poética. E eu gostei muito daquilo, prestei muita atenção e escrevi Trapézio e outros movimentos, e muitas pessoas diziam: “muito complicado esse texto, de se entender”, mas não é poesia para se gostar, é para provocar, para desagradar, para desacostumar, descondicionar o leitor. Se bem que eu não escrevi com esse objetivo, eu escrevi daquela forma porque estava naquele momento, era o que eu tinha para fazer e busquei o meu inconsciente, porque eu queria escrever. E o crítico Foed Castro Chamma fez uma apreciação muito interessante do meu livro, uma análise muito boa no sentido de que ela elucida, ajuda a compreender o poema e até a mim própria. Ele disse que foi pela via da semiótica e da psicanálise porque se não fosse por esse caminho restaria um beco fechado. Que às vezes acontece isso, a poesia é como um lance de dados, se a gente for buscar sempre poemas que a gente não tenha dificuldade de entender é uma acomodação também, existem tantas possibilidades. Por que a gente precisa sempre escrever poemas que sejam de fácil leitura, de fácil compreensão? Depois eu me rendi, no meu blog só tem poemas de fácil apreensão, eu acho, mas Trapézio é algo à parte. Hoje eu tenho estima por ele, eu digo que fui até corajosa, pensei: “vou colocar isso na lata do lixo, isso não tem nada poético”. Mas isso salvou a minha pele, alguém com teoria conseguiu abrir uma porta de compreensão para aquilo que eu tinha feito.

PET: Qual é a sua relação com a escrita, com a palavra, com o estilo?

Nivaldete: É muito mutante. Não me prendo a alguma temática, é aquilo que vai passando. E acho que confere um pouco com aquela compreensão da linguagem. Não gosto de poema auto-referenciado, gosto da coisa mais livre que fale como uma voz que não seja minha, que não fale de mim. Quanto ao estilo, eu acho que não é mais preciso falar sobre isso hoje, com tanta quebra de parâmetros. É a invenção da hora. Às vezes eu consigo fazer um poema com uma rima imprevista e difícil e possível, outras vezes o poema sai totalmente livre, até um pouco tosco. Eu não me preocupo com uma dicção poética.

PET: Por que escrever?

Nivaldete: Porque a vida em si não basta. Não basta o trabalho, não basta ter filhos, não basta ter amigos, não basta sol, não basta lua, não basta chuva. Escrever é alguma coisa de que a gente tem sede, tem falta, e que a gente procura saciar um pouco, com a escrita, pintando ou desenhando, compondo, com a arte de um modo geral. Outras pessoas vão para o religioso. Sempre há uma falta para o ser humano e essa falta é o que faz o mundo girar, é isso que faz os cientistas dedicarem a sua vida a inventos, a pesquisas, o sentido da falta é o que move o mundo, a insatisfação, e cada um se resolve como pode, o poeta escreve, o pintor pinta as suas telas, enfim, criar. Criar no sentido amplo, não só na arte. Criar sorrisos, criar amizades, criar convivência boa, criar soluções e deixar de pensar em problemas. Nietzsche diz que a arte mais importante do ser humano é o da sua existência, aquilo que ele faz com a sua existência e eu concordo.

PET: Como você enxerga um livro seu depois de publicado?

Nivaldete: É um filho de maior que sai de casa. Tem que haver o desapego e aceitar que ele vá para a rua como sendo maior de idade, de preferência que ele seja bem falado. É praticar o desapego.

PET: Como nasceu Bárbara Cabarrús, a personagem principal do seu primeiro romance?

Nivaldete: Eu tinha feito uma cirurgia e estava de repouso e queria ler alguma coisa que eu ainda não tinha lido. Comprei uma pequena enciclopédia e deixei lá, até que um dia comecei a folheá-la e encontrei um verbete sobre Teresa Cabarrús, uma espanhola que foi para a França e que participava da vida política, uma mulher, para a época, bem avançada, e me deu um desejo de criar uma personagem que fosse descendente dela, criar uma ficção com uma personagem que fosse daqui, do Rio Grande do Norte. E Bárbara nasceu assim.

PET: Tem algum livro de outro autor que você gostaria de ter escrito?

Nivaldete: Eu acho que não um livro todo, mas alguns poemas, sim. Às vezes eu leio uma coisa e acho tão bonito e penso: “poxa, queria ter escrito isso”. Mia Couto é um autor maravilhoso e eu adoraria ter escrito algumas coisas dele. Eu gosto muito de Drummond, por exemplo, mas tem muita coisa dele que eu não gostaria de ter escrito, não fazia nenhuma questão. Mas têm outras que eu gosto muito. Na verdade eu acho é que a humanidade é que escreve. Existe uma pessoa que briga pela sua autoria, por um nome, mas é a humanidade que escreve e nós somos a humanidade. E no final é melhor admirar do que desejar.

PET: Qual é o papel que o imprevisto desempenha em seu trabalho criador? E se desempenha.


Nivaldete: Às vezes é ele que move, que produz, que leva a gente a produzir como uma busca de reequilíbrio, de transformação.

PET: Além das obras já citadas, você tem um trabalho com teatro e também musical. Conte-nos um pouco sobre eles.

Nivaldete:
Em 1980, eu comecei a fazer o mestrado, tinha acabado de me formar e fui para a Universidade Federal de Minas Gerais, e lá eu escrevi uma peça que foi encenada por uma estudante da PUC de lá. Depois escrevi uma peça para crianças e com ela ganhei o primeiro lugar num concurso da prefeitura. Em 2007, a editora da UFRN publicou Entre o carrossel e a lei, também teatro. É outra forma de escrever, é bem mais ágil, bem mais rápido, você não precisa se preocupar com os detalhes, de como está o céu, a hora do dia, etc. É uma experiência instigante porque nela se tem uma prontidão, uma velocidade maior do que o texto em prosa que é mais detalhada. E além de teatro, também produzi músicas para criança e uma obra paradidática sobre as águas. E eu também componho músicas para adultos. Só me falta representar.

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