terça-feira, 24 de março de 2015

Entrevista com a escritora Elma Luzia Mousinho

Elma Luzia Mousinho autora dos romances Algemas de Sol e Chuva (1985), e Cercas da Opressão (1986), ambos com quatro edições, e dos livros infantis: Correio para o céu (1987) e A Revolta do Relógio (1988), respectivamente com cinco e três edições, esteve no dia
27 de outubro de 2014, no PET, para uma conversa sobre seus livros, tendo sido entrevista por Gustavo Matos, pesquisador da sua obra.

PET - Nós gostaríamos que falasse um pouquinho sobre a sua relação com literatura. 

Elma - Começo a minha história quando era menina. Papai me dava muitos livros. Eu comecei a ler bem cedo, era meu passatempo. Depois mergulhei na fantasia e não podia mais viver sem aquilo. Os livros que ganhava de meu pai não eram mais suficientes, então comecei a trocar objetos meus por livros na escola. Quando eu via um livro muito interessante, dizia "Olha, tenho uma coleção de figurinhas, você troca?", aí trocava. Troquei boneca, troquei bola... Tudo passou a serem livros em minha vida. Eu percebia que ler era muito mais grandioso, viajava muito mais do que com meus brinquedos “normais”. Sinto que essa menina super simples, ultra determinada, não consumista, ainda existe dentro de mim. Permaneço quase inalterada em muitas coisas. Gosto do silêncio, ele é muito importante, mas também muito de música, sobretudo enquanto dirijo. Só escrevo basicamente na madrugada, porque aí escuto as vozes dos meus personagens, assim eu viajo melhor para onde eles estão. Porque durante o dia, mesmo que você esteja sozinho dentro do seu quarto ainda escuta carros, pessoas falando e pelo fato de você estar em casa as pessoas chamam e interrompem. Aí eu trabalho quase só durante a madrugada.


PET – E qual foi o papel da escola na sua formação?

Elma - Fui uma menina que estudou no Atheneu. Com todas as riquezas e atropelos de uma escola pública. Riqueza de experiência humana. Passei no primeiro vestibular e fui laureada na UFRN. Ressalto isso porque fui sempre aluna de escola pública e há um estigma em relação ao aluno de escola pública, que este não pode brilhar. Mas ser laureada na UFRN ou em qualquer escola do mundo é importante. Tive excelentes professores na escola pública. Mas também fiz a minha parte e percebi muito cedo que não podia ser medíocre e não querida ser. O Atheneu está estrategicamente ao lado da biblioteca públicaCâmara Cascudo. Então se não havia aula, o que acontecia com certa frequência, eu ia para lá. Era autodidata, pois percebi que podia aprender sem aulas. Na época da ditadura, eu era diretora do grêmio estudantil e lutava pelos alunos para que houvesse aulas e qualidade de ensino. Não era comunista, mas militava por um ensino de qualidade, lutava pelos meus colegas. Não entendo, eu era tímida, mas ao mesmo tempo corajosa. Sempre fui líder de classe, era recatada, de falar pouco, mas na hora H sempre estava lá, lutando pelos alunos . Houve um episódio em 1972, quando eu era presidente do grêmio, em que alguns estudantes jogaram carteiras do alto da escola. Eu não estava lá, por isso não estava envolvida, mas fiz a defesa deles, fui à frente e falei em defesa deles. Eu só tinha 17 anos. 

PET - O que você prefere ler atualmente? Quais são seus livros prediletos e quais os que a marcaram mais? 

Elma - Um que li não faz muito tempo e que me marcou muito, foi Criança 44.Outro que me impressionou foi A Menina que roubava livros. Quando um livro me toca eu guardo com carinho. Caçador de Pipas, O silêncio das montanhas, Cidade do sol também foram leituras recentes que me impressionaram. Estou relendo E o Vento Levou,  livro que li quando tinha uns vinte anos. Ele é bem interessante, é uma referência da literatura americana. Muito bom.
Entre os meus prediletos estão os livros de Clarice Lispector, mas também, por exemplo, Os Tambores de São Luís, de Josué Montello, livro marcante. 

PET - Gostaríamos que falasse um pouco do seu novo livro.

Elma - Eu passei muito tempo sem lançar, porque os meus filhos eram pequenos, vinham falar comigo e isso interrompia o processo de criação. Eram três e eu estava divorciada. Eles estavam sentindo a falta paterna e precisavam de mim. Foi a opção que fiz. Hoje, eles estão formados, casados, bem estruturados em cada profissão. Isso faz uns 20 anos. Tinha, naquele tempo, um projeto grande que se transformou em A canção do vento. Originalmente o  nome era “A canção do exílio”. Eu já tinha escrito alguns capítulos, estava começando a estruturar a espinha dorsal do romance, mas achei que não podia fazer duas coisas ao mesmo tempo. A prioridade sempre foram meus filhos. Fiz muita poesia, durante esse tempo, mas não lancei nada, porque poesia a gente constrói facilmente quando está triste, ou muito emocionada ou mesmo muito feliz, contudo nunca pensei em publicar, pois sempre fui muito voltada para o romance. Eu não passo bem sem escrever. Precisava escrever de qualquer modo e com a poesia se eles chegavam falando “Mamãe...” eu parava e a poesia estava pronta, se tinha mais alguma coisa não sei, não importava.  Então algumas ficaram sumariamente curtas, por exemplo:

bebo amarga e amargamente a solidão
esculpida por minhas próprias mãos
nefastas 
certamente 
quando isolada e temerariamente 
destrui as cores do meu nascimento 
e em lápis nanquim me fiz

A poesia ia ter uma continuidade, mas não teve porque alguém disse “Mamãe...”. Minha história é essa, esse período foi de poesia. Quando achei que já era tempo, comecei a avançar na madrugada. Resgatei o livro, peguei os personagens de “A canção do Exílio” e voltei no tempo, eles aqui no Brasil filhos de alguém que tinha vindo do Líbano. 
Foi muita pesquisa. Pesquisei o árabe e o libanês, não podia falhar em nada. Tem uma parte de árabe, dos costumes libaneses que se mesclaram aqui. No Brasil, eles eram chamados de “povo da caixa”, porque eram mascates. Empurravam carrinhos, vendendo artigos, e eram chamados de turcos, mas odiavam serem chamados assim, porque eram inimigos dos turcos. 

PET - Fale um pouco sobre os seus livros.

Elma – Quando lancei o meu primeiro livro, Carlos Lima, o editor da Clima, foi entrevistado, falou muito bem de mim e da escrita do meu primeiro livro, Algemas de Sol e Chuva, e isso repercutiu. Fui chamada para muitos lugares, dei muitas entrevistas, e o livro foi adotado para o terceiro ano do ensino médio em vários colégios, entre eles, Salesiano, Marista, Colégio das Neves. Esgotou a primeira edição e ele fez outra, novamente esgotou, foi feita a terceira, assim até a quarta. 
Carlos Lima era uma referência como editor e jornalista. Quando ele recomendava um livro, a voz dele era ouvida. Ele gostava do que eu escrevia e me estimulava a escrever. Como eu estava meio sem tempo, comecei Correio para o céu, achando que estava escrevendo para um público infantil, para meninos de até 12 anos, fiquei surpresa quando recebi telefonemas de pessoas adultas querendo me entrevistar, mães de alunos, dizendo que eu estava muito inspirada quando tinha escrito esse livro, que a prosa era poética e muito bonita. Nesse livro que ainda vai ser publicado, A Canção do Vento, há frases e frases em que você ouve e escuta a musicalidade, a maneira como eu busquei as palavras e arrumei tem poesia. Tem inclusive um personagem que é poeta. Então eu faço poesia lá. Ele é poeta desde os 15 anos, publica no jornal local: é o Jamil. Ele consegue emprego no jornal, na tipografia, na coluna e escreve por debaixo do pano para o jornal, então tudo que é produzido na coluna sou eu que faço.

PET - Para os leitores que não conhecem suas outras obras, você poderia falar um pouco?

Elma - Eu sou por essência uma escritora que denuncia. Eu até tento fugir disso, tentei fazer isso com Correio para o Céu, mas quando vejo lá está novamente um fiozinho me puxando para denunciar alguma coisa. Não consigo fazer uma prosa sem gritar através de meus personagens o que incomoda o povo, o que nos incomoda. Denuncio principalmente as opressões do pequeno. Pequeno em todos os sentidos: o oprimido socialmente, economicamente, politicamente. Eu denuncio isso, mas como disse no livro que vai ser lançado a minha denúncia é principalmente a ausência da verdade absoluta: do honesto absoluto e da dignidade absoluta. Não existe o bem absoluto ou o mal absoluto. 

PET - Em suas obras não ficam explícitas as influências da sua profissão nem da sua infância. Sentimos isso. Em algemas de Sol e Chuva, por exemplo,. Você é bióloga, mas se desprende totalmente de sua área. Conte-nos sobre seu processo de criação, fale-nos sobre a criação de seus personagens.

Elma - Para mim é muito mais forte  escrever literatura social do que ser bióloga, essa é a verdade. Eu uso meu conhecimento de bióloga em algumas coisas, claro! Mas a dor, as mazelas da humanidade governam meus pensamentos. Em um romance a gente tem que ter realmente vontade de escrever, é muita criação, muitos processos em curso, é muita dedicação, muito trabalho. É um trabalho exaustivo. Você vai dormir e não descansa, você se deita e se levanta de repente, porque achou a ideia iluminada para dar o desfecho de alguma personagem. Com meus primeiros romances eu tive que lidar com meia dúzia de personagens, mas com A Canção do Vento, foi um trabalho exaustivo. Minha ideia inicial tinha dois personagens e aí eu comecei e de repente tinha mais de cem personagens. A última revisão eu levei três meses para fazer. Eu tenho um amigo, escritor também, que diz que a dificuldade é que a gente nunca para de revisar.

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