quinta-feira, 3 de maio de 2012

Entrevista com a poetisa Diva Cunha



PET- Quando se deu o seu encontro com a literatura?
Diva: Eu penso que desde sempre, desde que aprendi a ler que despertei para a Literatura. A partir daí eu comecei a procurar pela literatura e a descobri, desde muito pequena, na casa dos meus pais e também lia o pouco que tinha no colégio. Fui me encantando e lendo o que me deixavam ler. Naquela época não tinha essa literatura maravilhosa para crianças, como se pode ver atualmente, não havia nem ilustrações nos livros, quando tinha era uma ou outra e em preto e branco, logo era a imaginação que tinha de funcionar o tempo todo. O acesso ao livro era muito menor, na minha época não existiam tantas bibliotecas, no entanto, hoje em dia, as nossas bibliotecas estão fechadas.

PET- E quando você se descobriu poetisa?
Diva: Não existe uma data certa, eu lembro-me que comecei a escrever nos álbuns do colégio. Esses álbuns eram feitos pelas meninas e cada uma escrevia um versinho ou uma mensagem e, ao invés de copiar dos outros, eu comecei a escrever textos de minha própria autoria e esses textos até agradavam, tanto que as colegas passaram até a fazer encomendas e diziam: “Diva vai escrever para mim”. Então, eu me descobri poetisa na adolescência.


PET- O bom escritor também é um bom leitor. Quais foram as suas influências?
Diva: Na poesia meu grande alumbramento foi e continua sendo Cecília Meireles, Manuel Bandeira e os românticos brasileiros. Eu tinha acesso a esses poetas em casa e no colégio e o que havia era sobre a poesia romântica do século XIX, não tinha quase nada da poesia moderna, então eu tinha que ler a poesia romântica mesmo. Nós estávamos na metade do século XX, mas eu ainda estava lendo poesia do século XIX.

PET- Nas suas poesias você chega a admitir suas influências.
Diva: Sempre admiti, em todos os lugares que vou, em tudo que eu digo e quando me perguntam. Afirmo que sim, pois eu sou o que eu escrevo, e o que escrevo está baseado no que eu li, e o que li foi a poesia brasileira do século XIX e do começo do século XX, e aos poucos a do modernismo. Vocês têm que entender que a Natal das décadas de 1960 e 1970 não era a Natal de hoje, o acesso a livros era limitadíssimo, e quando aparecia um amigo com um poeta novo, começavam as indagações. “Trouxe de onde?”, “Onde descobriu?”, “Alguém emprestou?”. Então era uma  loucura e se fazia fila para ler aqueles livros até então considerados novos.

PET- E sua relação com João Cabral de Melo Neto, como você a descreve?
Diva: Eu o menciono muito em Resina, embora eu já tenha escrito um poema para João Cabral no meu segundo livro, no Palavra estampada, de 1993, onde eu me comparo com ele. Deixa eu ler aqui o poema: “Aflita / com as mãos molhadas / entro no poema /não tenho, amigo / a ciência / com que secas o afeto / sou antes / um lenço /torcido de tanta dor”. Então, a minha relação com João Cabral não é tão nova. Todo poeta brasileiro sofreu um choque com a chegada da poesia de João Cabral, e esse impacto não aconteceu só comigo, todos entraram em pânico porque, pois se tratava de uma maneira nova de escrever poesia. Como ele mesmo dizia, ele veio para estancar as vias abertas do lirismo brasileiro, veio para dar um basta a esse lirismo. Então todos os poetas novos e velhos ficaram sem saber o que fazer. Eu conheci João Cabral em meados do anos 1970, quando eu estava na Universidade, no curso de Letras.  Foi aí que comecei a ler os poemas de João Cabral e senti uma imensa dificuldade nessas leituras e quem dissesse o contrário estava mentindo, pois se tratava de um poeta muito difícil, um poeta cerebral. Todos estavam acostumados com o lirismo dos poetas românticos e com o humor dos modernistas e, de repente, encontraram uma poesia de um tom diferente. Minha relação com ele se aprofundou quando eu fui para Barcelona, há uns 12 ou 13 anos atrás e resolvi fazer minha tese de doutorado sobre uma revista criada por João Cabral lá na Espanha. Essa revista foi criada em meados dos anos 1960 em Madri quando ele estava trabalhando na Embaixada Brasileira, então comecei a trabalhar com a revista que me levou a João Cabral. Foi a partir daí que me aprofundei nos poemas dele, quando comecei a escrever a tese que inclusive ainda não terminei, que despertou o interesse em ler suas poesias.

PET- Em Resina uma das partes intitula-se “Travo e paixão”, o que está por trás dela?
Diva: Não está por trás, está explicito. Travo porque João Cabral é que nem caju, causa um travo na garganta e ao mesmo tempo paixão, porque qualquer pessoa que lê poesia tem que admitir que João Cabral é, ao mesmo tempo, criador e um grande artesão da poesia. É isso, o nome não tem nada de misterioso, é realmente uma declaração: travo porque não é fácil e incomoda e paixão, pois quem ama poesia tem que amar o que ele faz.

PET- O mestrado em literatura interferiu no fazer poético?
Diva: Tudo o que se lê, para quem escreve seja em poesia ou prosa, aumenta o repertório. Eu acho que tudo ajuda, no mestrado eu privilegiei a literatura portuguesa, exatamente Fernando Pessoa, Garret, Fiama Hasse Pais Brandão e Camões. Eu saí rastreando as ideias messiânicas no campo da poesia. Sinto que eu poderia ter procurado mais na prosa, mas tive medo de não dar tempo.

PET- Das suas publicações, qual delas que você mais esperou, mais planejou?
Diva: Na verdade, eu posso lhe dizer que a menos planejada foi Palavra estampada. Esse livro foi feito em um mês e lançado no V Seminário Nacional Mulher & Literatura organizado por Constância Lima Duarte, em 1993, aqui no Rio Grande do Norte. Eu tinha publicado um único livro em 1986, o Canto de página. Tinha muita coisa espalhada, não me mobilizava em organizá-las e Constância dizia: - “Não é possível uma coisa dessas, você não publicar outro livro, reúna esse material.” Em um mês eu reuni esses poemas e dividi em duas partes, a primeira é “A palavra” e a segunda “A estamparia”.

PET- Você acredita na inspiração?
Diva: Acredito na inspiração, sim, mas acredito no trabalho, porque sem o trabalho, nada feito. Todo mundo pode ter uma ideia, mas se não for burilar aquilo ali, pode esperar que não vai sair grande coisa.

PET- Qual é a poesia pela qual você tem maior predileção?
Diva: Quando escrevi Resina, houve um poema que ficou martelando na minha cabeça. Não que eu tenha algum especial, inclusive todos martelaram tanto que eu pensei que ia enlouquecer e nunca mais ia recuperar o meu juízo, não é fácil. O poema é “Zefa fumava cachimbo”. Esse poema martelou muito porque ficou parecido com uma historinha e gostei desse tom dele, meio em cima de um personagem. E é uma personagem real, trata-se de uma empregada que trabalhou na minha casa e que era realmente mal criada como diz no poema. Mexia com papai e eu a achava interessantíssima, então eu achei forte, mas, no fundo, não tenho nenhuma predileção.

PET- Na sua poesia você admite uma escrita feminina?
Diva: Eu admito sim, acredito que nenhuma mulher pode escrever igual a homem, pois o universo da mulher é diferente. Acho que alguns temas são comuns, mas a abordagem é diferente. Os temas são universais como: o amor, a morte, o ciúme. Eu falo nos poemas da maneira como eu me sinto, porque eu sinto como mulher eu não sou homem e nem conseguiria falar como tal.

PET- Como pesquisadora qual foi a sua maior dificuldade?
Diva: Minha maior dificuldade foi a indisciplina. Eu sou uma pesquisadora indisciplinada, mas aprendi muito nos anos em que trabalhei com Constância, ela sempre foi muito disciplinada e muito concentrada, já eu era muito indisciplinada; aprendi muito com ela.

PET- O que é estar ao lado de mulheres na Academia Norte-Rio-Grandese de Letras como Nísia, Auta, Palmira Wanderley e Carolina Wanderley?
Diva: Para mim é muito importante, porque é uma instituição cultural reconhecida em todo o Estado, embora seja uma instituição que está deixando a desejar em relação ao suporte à pesquisa da literatura potiguar. De qualquer forma, é importante fazer parte dela.

PET- Quais são seus projetos futuros?
Diva: Eu quero publicar mais livros. Tem uma coisa que eu quero fazer, que Constância vem insistindo há muito anos, que é reeditar o livro Literatura feminina do RN: de Nisia a Zila. Nós paramos em Zila, e só fizemos naquela época 300 exemplares, a proposta é reeditar e atualizar, uma edição revista e atualizada indo até os dias de hoje. Além disso, tenho projetos pessoais também, nada de livro de poesia neste momento.

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