terça-feira, 16 de agosto de 2016

Entrevista: Nonato Gurgel


No último dia 11, o professor e escritor Nonato Gurgel foi recebido na Universidade Potiguar pelo PET Letras para ministrar uma palestra sobre o seu mais recente trabalho Luvas na Marginália: a poética de Ana Cristina César. Em seguida recebeu as perguntas dos petianos Afonso Barroso e Denise Coutinho para a entrevista. Confira abaixo:


PET: Como se deu o seu contato com a literatura?


O meu contato com a literatura começou na infância, por volta dos seis e sete anos. O poeta pernambucano Manuel Bandeira é o primeiro autor que me vem à memória, seja na escola ou nas fazendas do sertão onde eu passava férias, no Oeste potiguar. 


PET: No seu livro miniSertão, você faz menção a muitos escritores como Guimarães, Kafka, Robert Walser, Descartes, Goethe, Machado, Euclides da Cunha, Alencar, Eça, Graciliano, Lispector, entre outros. Nós queríamos saber se entre esses escritores, há algum especial?

Todos esses escritores são especiais. Eu sou apenas um leitor latino-americano. Não vingaria sem eles. Eles formatam o meu cânone literário, existencial e afetivo. Seus textos são representativos das diferentes fases por que vivi como cidadão, leitor e profissional do magistério.

PET: Percebi também que miniSertão se trata de um livro de memórias. Tem alguma memória muito especial?

Sim, miniSertão é um livro perpassado pela memória. Um memorial que recorta três décadas de viagens e deslocamentos por alguns estados do Nordeste e do Sudeste. Algumas memórias perduram, como textos, no sertão que carrego: as casas do avô Candido, em Caraúbas, o trabalho comunitário com pequenos agricultores, no Seridó do RN, a beleza estonteante dos seres e das formas do Rio e de Natal, algumas estadias afetivas nos cenários árcades e barrocos de Minas... Minas eu amo como uma metonímia do Brasil cultural que sonho.

PET: O que você prefere ler atualmente? Quais são seus livros prediletos e quais os que mais o marcaram?


Li poesia durante mais da metade de minha vida. Fui salvo por ela. Continuo lendo os poetas, mas atualmente leio mais ensaio, autobiografia e prosa. Ninguém é o mesmo depois que lê Carta ao Pai, aos 16 anos, os heterônimos do Pessoa e Agua viva aos 18. Marcaram-me os livros desses autores que você citou acima, além do Camus, Calvino e a literatura argentina que eu amo: Borges, Sábato, Cortázar, Piglia e Aira.


PET: Ser professor ou escritor? O que mais prevalece em Nonato Gurgel?

Penso que os dois são necessários. Considero-me, antes de tudo, um leitor latino-americano sem nome no cânone e vindo do sertão. 

PET: Agora sobre o seu novo livro, Luvas na Marginália – escritos sobre a poética de Ana Cristina César, gostaria de saber como se deu o primeiro contato com a obra da Ana C.?

Conheci a obra de Ana C através do jornal Primeiro toque da editora Brasiliense. A teus pés foi o primeiro livro dela que li. Continuo relendo, tocado pelo fogo.

PET: O que você destacaria da poética de Ana C. como sendo o recurso mais representativo da lírica da escritora? Por quê?



A cópia e a fabricação de simulacros. Porque ela aposta no outro, na alteridade, na disparidade. Ela ouve e escreve a diferença. Ana rasura e vampiriza a tradição ocidental moderna e a clássica. Leu Camões, Shakespeare, Whitman, a Bíblia e autoras modernas como Clarice, Sylvia Plath, Elizabeth Bishop e Katherine Mansfield, dentre outras. Ela subverte a forma e mixa, sem subordinação, altas literaturas com indústria cultural e confissões autobiográficas. Fabrica com isso uma assinatura inusitada, nos cenários em ruínas da cultura no final do século XX.


PET: Gostaria que você falasse um pouco sobre as Luvas, um dos signos mais recorrentes nas paisagens literárias de Ana C.


Luvas é um signo que perpassa a poética de Ana C. A teus pés termina com uma luva no espaldar de uma cadeira. Luvas sugerem também as noções simbólicas dos valores estéticos e culturais que a própria poeta representa para a sua geração. Ana pode ser lida como metonímia de uma geração que bebeu nas fontes da antropofagia, contracultura, tropicália e do pós-moderno. Biscoito finíssimo que não despreza o paladar da massa.


Queremos agradecer ao professor Nonato Gurgel por ter nos concedido essa entrevista. E todos os alunos da Universidade Potiguar agradecem a oportunidade de conhecer o seu excelente trabalho, e pela riquíssima palestra a nós ministrada. 


Introdução: Denise Coutinho
Entrevista: Afonso Barroso
Denise Coutinho



Um comentário:

  1. Nonato Gurgel, sem dúvidas é um escritor ótimo, mas quem teve o prazer, o privilégio de estudar com ele, sabe bem do que falo. Com ele não tem como não se apaixonar pela Literatura, suas aulas são mágicas, pura emoção. Saudade das manhãs recheadas de poesias. Professor, momentos guardadinhos para sempre em meu coração.

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