terça-feira, 23 de agosto de 2016

Entrevista: Adélia Danielli






Na última quinta, 18/08, a escritora potiguar Adélia Danielli esteve na Universidade Potiguar como convidada do mês para o tradicional Encontro com Escritores, promovido pelo PET Letras. Durante o encontro, marcado inicialmente pela performance Bruta, idealizada pelos petianos Ionara Souza, Graciela Marques, Lanuk Nagibson e pela estudante de Letras Ludmila Costa, a poetisa respondeu a algumas perguntas feitas pelo petiano Lanuk Nagibson, percorrendo suas influências literárias e seu mais recente livro de poesias, Bruta. Depois, Adélia também respondeu a perguntas feitas pelo público que acompanhou o encontro. A poesia de Adélia Danielli vem enriquecendo a nova safra de poetas. Carregada de um sentimento de ser mulher, de questões como empoderamento, sororidade e feminismo, Adélia mostra que o ser mulher vai além do diamante lapidado, do floreio sutil, e que viver o universo feminino também condiz com o bruto, com o que está inacabado e até mesmo com a luta enfrentada por tantas mulheres todos os dias: o feminino tem direito a ser bruto. Confira abaixo:

PET: Boa noite. É uma honra recebê-la aqui e para começar gostaria que você respondesse: Quem é Adélia Danielli?
Adélia: Boa noite, eu sou Adélia Danielli, natural de Currais Novos, porém moro há 16 anos em Natal. Sou feminista, estudei ciências sociais, história e cursei um pouco de letras.

PET: O que você gosta de ler? Quais são seus escritores favoritos?
Adélia: Eu já esperava por essa pergunta (risos). Em casa fiquei me perguntando e pensando o que eu gosto de ler, quais escritores sempre estão presentes comigo e me inspiram. Gosto de ler Fernando Pessoa e tenho uma relação bem afetiva com Adélia Prado, porque é o mesmo nome que tem minha avó, e o meu (risos) e ela escreve coisas belíssimas. Também gosto muito de ler Clarice, às vezes me vem à mente algum trecho específico de algo que ela escreveu, eu volto ali e releio especificamente a parte que está na minha mente, leio a Matilde Campilho também e por aí vai.

PET: Para você, qual o papel do escritor na sociedade atual?
Adélia: Eu vou falar não de mim, não de Adélia Danielli como escritora, mas como eu recebo a influência dos escritores, pois eu acho importantíssimo não só o trabalho da pessoa como escritor, ou como poeta, mas de cada um na sua colocação social e política. Como artista, acho isso importantíssimo, principalmente nesse momento: “primeiramente fora Temer”, o momento que o país está atravessando, não tem como você se ausentar de certas coisas. Você pode dizer que não quer misturar as coisas, mas eu acredito que esse papel que vir junto, porque quando se parou para ler alguém é porque aquilo te tocou e se aquilo tocou, você já tem uma margem para tocar as pessoas de outras formas, não apenas de maneira sentimental.

PET: Como escritora, você bem sabe que existem barreiras na nossa sociedade em relação a quem escreve, e alguns preconceitos. Gostaria que você falasse um pouco disso.
Adélia: Eu acho que é um processo. Eu tenho dois livros publicados: o Bruta, que os meninos apresentaram de forma muito bonita aqui, e um livro que foi lançado em 2012 intitulado Por cada uma, que no momento está fora de catálogo. Ele surgiu de um convite da Marize Castro que é uma poeta e escritora aqui do estado. Por cada uma foi composto por meninas que estavam escrevendo na internet e que a Marize achava interessante, ela queria lançar um livro com novas escritoras. Eu digo que é um processo porque tanto eu como as meninas que escreveram comigo, que estavam começando a divulgar o que escreviam, sempre o faziam com muita timidez até se assumirem como escritoras ou como poetas. Quando você escreve já há o seu próprio julgamento, que já é pesado, pois escrever é se expor, é estar nu, porque tudo o que se sente encontra-se ali, no escrito, aí vem o julgamento alheio também e ele dá um entrave.

PET: E falando sobre seus livros, sua carreira, quando chegou para você a consciência de: “Sou poeta”.
Adélia: Com o tempo começaram a me chamar assim, aí eu dizia: “Não, eu não sou poeta. Eu escrevo poesia, mas eu não sou poeta”, porque é um peso, não é?! Hoje em dia, eu continuo pensando do mesmo jeito: Eu sou poeta, porque eu escrevo poesia e uma coisa vem da outra. Quando a Marize fez o convite para esse livro, o Por cada uma, para mim, para a Letícia Torres, a Isabella Maia, a Marina Rabello e a Iara Carvalho, nós não tínhamos lançado nada, tinha essa questão de ser o nosso primeiro livro e ficávamos receosas com esse título de poeta, ainda mais com o apadrinhamento da Marize, tinha aquela ideia de todo mundo se perguntando: “Quem são essas meninas que Marize está lançando?”. Já com Bruta, eu já tinha lançado o Por cada uma, já estava nesse ciclo de pessoas que escrevem, que já tem algo publicado em Natal, então não me senti tão incomodada de ser reconhecida assim, porém mesmo assim eu tinha um certo receio de lançar um livro sozinha, porque até então eu só tinha lançado zines, e o livro em parceria com as meninas. Mas um livro só meu, eu temia essa exposição que depois acabou não pesando, mas eu tinha medo da exposição, porque a minha poesia eu a tomo um estado bruta, eu não lapido o que sai, e não fico colocando nenhum entrave, falo que ali tem coisas muito pessoais, sexuais, de gênero, e essa é minha poesia, eu sou assim.

Público: Adélia, você fala em um dos seus versos que “minha poesia é o meu corpo”. Como você enxerga sua produção como mulher, como mulher que pode escrever sobre o seu corpo, como você consegue veicular isso em mundo de opressão?
Adélia: A minha poesia foi determinante no meu processo de empoderamento como mulher. Não foi ao contrário. Eu não me empoderei para escrever, pois a partir do que eu escrevia, eu comecei a aceitar que era esse é o processo e uma coisa é totalmente ligada a outra. Isso que você falou do corpo, é tudo uma coisa só, o que muda é a matéria e como ela está apresentada. Eu acho importantíssimo, inclusive eu estava até em uma roda de conversa, há alguns meses, com a escritora Regina Azevedo, que é uma menina de 16 anos, ela fala com muita convicção da verdade dela mesmo com a idade que ela tem e o que eu percebo é que a Regina representa muitas meninas que tem a idade dela ou até um pouco mais velhas e que estão se sentindo empoderadas na vida e conseguem passar isso. Eu acho isso importantíssimo, porque quem lê, sente um reconhecimento, uma identificação.


Público: Quando você escreve, você escreve para si mesma ou com o objetivo de outras pessoas sentirem o que você transmite?

Adélia: O meu processo de criação é bem egoísta, porque eu não escolho a hora em que eu quero escrever, é quase um negócio de pai de santo (risos). Me dá vontade, eu fico tensa e tenho que parar o que estou fazendo no momento para escrever. Quando no processo não penso em absolutamente mais nada a não ser naquilo que estou escrevendo, nem penso se vão gostar, pode parecer horrível isso, pode parecer até prepotência, mas não é. Eu coloco lá na internet e se algum gostar é massa, porque eu troco ideia com a pessoa e tem essa troca de informações, e partir daí eu sei que tem alguém que gosta, mas também se alguém não gostar, o que eu posso fazer? A poesia é que daquele jeito.

Público: Adélia, eu vi em alguns sites que comparam você com a Ana Cristina Cesar e você disse que não. Qual a escritora com quem você se identifica?
Adélia: Quando eu digo que não, é pela responsabilidade, porque afinal é Ana Cristina Cesar. Eu me identifico com algumas coisas, mas com outras, não. Eu me identifico com uma amiga minha de João Pessoa, que é a Camila Rocha, ela escreve poesia e manda bem; é muito boa a poesia dela, me identifico com a ideia, o sentimento, me identifico muito com ela. A Matilde, mesmo ela escrevendo de uma forma tão diferente da minha, eu me identifico muito com ela também.

Público: Do livro Por cada uma para Bruta, como ficou Adélia, o que aconteceu com ela?
Adélia: Foram quatro anos e muita coisa mudou. Muita coisa mudou por fora, na vida e em diversas coisas e por dentro muita coisa mudou. É outro livro, outras poesias, é outra coisa. Eu vejo o livro Por cada uma, são poucas poesias, são dez para cada, eu percebo como achava as coisas mais bucólicas, eu não me atrevia a me expor tanto naquela época, eu acho que antes eu editava o sentimento, hoje não. E essaa é a diferença em Bruta, pois eu não o editei em relação a sentimentos.

Público: Tem uma teórica francesa que afirma que a mulher tem de se colocar na escrita para que assim se coloque no mundo. Em alguns momentos da sua poesia, até no Por cada uma, em que você puxava mais as rédeas, acho que tem uma discussão de gênero muito forte e muito poderosa. Eu queria saber: você também se utiliza da sua poesia para ter uma palavra política?
Adélia: Não é meu objetivo inicial, mas acaba se tornando o objetivo final quando a exponho, quando não coloco barreiras para ela. Nesse último livro, eu falo do muito de desejo, falo do desejo sentido, que sentia no momento em que escrevia, que sinto e que imaginei que sentirei um dia. Então eu acho que isso de você poder falar de questões como essa hoje em dia é muito bom, você se sentir à vontade para falar e as mulheres se identificarem, porque quando se fala de desejo, se fala de uma forma natural, pois afinal sentir desejo é algo natural. Acho que isso sim é um papel interessante, não é, a princípio, um objetivo, mas acaba sendo o resultado. Acho que tanto aquelas que leem e sentem, como se estivessem dentro daquilo, é bom, como as que escrevem também nesse viés. Já ouvi algumas pessoas chamarem minha poesia de erótica, eu não tenho nenhum problema com esse termo erótico ou erotismo, compreendo a categorização, mas aquilo que escrevo, quando falo de desejo é de algo que todo mundo sente isso, todo mundo tem vontade, desejos, a diferença é que eu escrevo sobre eles.



Introdução: Clara de Castro
Entrevista e transcrição: Lanuk Nagibson


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