sábado, 14 de novembro de 2015

Entrevista: Sinhá e Daniel Minchoni

No último dia 10 de novembro, a poetisa e grafiteira Sinhá lançou Manga espada, seu terceiro livro, pelo selo DoBurro, no Mormaço Bar. Acompanhada por seu marido Daniel Minchonni, e pelas filhas, Ana e Antônia, Sinhá recebeu o petiano Lanuk Nagibson para a entrevista. Confira abaixo:

PET: Boa noite Daniel Minchoni e Sinhá, muito obrigado, em nome do PET, por me receberem. É um prazer estar aqui. Sei um pouco sobre vocês, porém gostaria que vocês se definissem, quem é Daniel Minchoni e quem é Sinhá?

Minchoni: Meu nome é Daniel Minchoni, nasci em São Paulo, mas morei um bom tempo em Natal. Sou poeta, já tenho alguns livros lançados, entre eles o Escolha o título, publicado pelo selo Jovens Escribas, editora potiguar. Com a bagagem que adquiri, fundei o selo doBurro,  por onde lancei outros títulos. Gosto também de trabalhar com a poesia falada e criei projetos como: Sarau do burro, Cabaret Revoltaire e Menor Slam do mundo.


Sinhá: Me chamo Eveline Gomes, ou simplesmente Sinhá. Sou nascida e criada em Natal, mas atualmente moro em São Paulo. Também sou poeta, tenho três livros lançados, o primeiro se chama Devolva meu lado de dentro, lançado pelos Jovens Escribas. Escrevi também Nas vestes dos peixes as palavras de ontem e Manga espada, ambos lançados pelo selo doBurro e trabalho simultaneamente com artes visuais. E agora sou mãe.

PET: Eveline, a Sinhá tem uma outra personalidade ou ela faz parte de você? Como surgiu esse apelido?

Sinhá: Eu não considero Sinhá uma personagem, já faz parte de mim. Considero como parte do meu nome, talvez um segundo nome, é como um nome composto. Tudo isso se iniciou quando comecei a namorar com o Daniel. As pessoas me chamavam de Sinhá Nega ou Sinhá Preta e simplesmente ficou. Tornou-se mais presente quando comecei a grafitar, pois precisava assinar com o outro nome, então o adotei de vez. O nome Sinhá é mais presente na minha vida em São Paulo, porque lá as pessoas não sabem meu nome de nascimento, todos pensam que realmente me chamo Sinhá, Daniel é que faz questão de falar e dizer que meu nome é Eveline.

PET: Vocês são escritores e por isso gostaria de saber qual a relação de vocês com a literatura. Quem são os seus autores prediletos e suas influências? 

Sinhá: A leitura sempre esteve presente na minha vida através da escola em que estudei, pois havia uma professora de literatura que estimulava bastante a leitura e ela me acompanhou desde pequena até o ensino fundamental e segundo grau. Essa professora sempre nos estimulou na leitura e na escrita. Na escola havia um projeto em que deveríamos escrever um livro aos treze anos, então isso já era um estímulo, tanto para gostar de leitura e de escrita. Em casa, meu pai sempre lia histórias para mim e para o meu irmão antes de dormimos, então não teve como não ser uma coisa bem presente. Voltando a falar da escola, liamos todos os clássicos e às vezes acho que não tínhamos muito idade, nem maturidade para ler o que liamos, às vezes eu me perdia e ao mesmo tempo já queria entrar em outro livro. Porém concordo que os clássicos devem ser lidos e com o passar do tempo devemos voltar a eles. Quanto a um livro que me marcou, eu gosto muito do Ferreira Gullar e sempre vem à minha mente os livros Poema sujo e Dentro da noite veloz, a ambos eu volto sempre, já sei quase decorados.

Minchoni: Eu também tive esse contato com livros começando em casa, porque minha mãe era assinante do Círculo do Livro, editora que funcionava como um clube. Você pagava uma taxa mensal e recebia livros e eu lia, mas sou muito imperativo, por isso a lista é imensa. Entrarão músicos como Itamar, o Jards Macalé, Tom Zé, poetas como o Leminski e o José Paulo Paes, romancistas ou filósofos como o Ítalo Calvino. Eu não tenho muito esse apego ao clássico, tento ler os clássicos como medida, mas gosto de ler os novos como fruto do meu tempo. Não nego que sou um autor fruto do meu tempo e me apego nessa questão de ser bem mundano nesse aspecto. Atualmente tenho lido bastante poesia, é uma coisa que tem me dado bastante prazer, convivo muito com a poesia falada, porque para mim também é leitura. A lista poderia ser imensa, começa em Drummond, passa pelo Manuel Bandeira, chega ao João Cabral de Melo Neto, que me influenciou muito principalmente com o livro que ele não gosta, que é Morte vida Severina, e acho genial o Campos de Carvalho. Vários autores me fascinam, as mulheres também fazem parte da minha lista, me fascino bastante com a Alice Ruiz, apesar de não gostar muito do seu trabalho impresso, gosto muito dela como compositora, como poeta na música, que para mim é uma coisa fenomenal. Como já disse a lista é enorme, se você me perguntasse amanhã eu já mudaria e poderia acrescentar mais umas cem coisas.

PET: Minchoni, você nos falou sobre seu fascínio pela poesia falada, e sei que você trabalha muito com essa abordagem. Gostaria de saber como foi a ideia e o processo de criação do Funk da literatura da ostentação.

Minchoni: O projeto inicial não era criar uma música. Fiz um poema, mas meus amigos sempre liam de forma cantada, cheguei até a perder um concurso, pois os jurados disseram que não era um poema e sim música, por isso me desclassificaram. Depois de muita insistência decidi gravá-lo como música. Escolhi o funk porque gosto muito do estilo, porém não das letras, então decidi dar essa cara à Literatura Ostentação e tem sido muito bacana a experiência. Antes em algumas escolas, as crianças e adolescentes não prestavam atenção e bagunçavam, agora tem sido diferente, pois o estilo musical em si já chama muita atenção e com a letra então tem feito a garotada pirar, pois o meu intuito é esse, fazer com que eles se seduzam pela literatura.

PET: Sinhá agora vamos falar das suas obras. Você escreveu que: “Sou buracos onde os pássaros vem morar, constroem seus ninhos, com galhos meus.” Qual a sua relação com os pássaros? 

Sinhá: O que me encanta é que os pássaros podem voar e são livres, para mim isso já basta, tenho até tatuado no meu braço a frase: “Sou pássaro”, mas hoje posso ser jacaré, leão, ou qualquer outro animal que também tenha características que me encantem.

PET: Nos seus grafites, sempre vemos mulheres cheias de formas e contornos. Quem é essa personagem e o que você deseja passar através dela?

Sinhá: Enquanto uso os pássaros para representar essa liberdade que eles transmitem, coloco em meus grafites mulheres tentando representar meu anseio de querer fazer algo para mudar algumas realidades. O fato delas, na maioria das vezes, estarem sem braços ou de alguma forma estética diferente, representa minha limitação em não poder transformar a realidade, por isso desenho elas como uma forma de transmitir, alertar, demonstrar alguma dor. Simplesmente quero falar com a intenção de que as pessoas possam ler e se identificar, pois essa personagem não se encontra pronta, contudo ela está sempre se construindo, pois ela sou, é você ou o Daniel, essa personagem são todos os que de alguma forma se identificam com a mensagem que foi colocada em cada grafite. 

PET: Hoje estamos aqui lançando seu terceiro livro: Manga Espada. Gostaria que você falasse um pouquinho de cada uma das suas obras e qual a sua relação com elas.

Sinhá: Eu nunca tive essa aspiração de lançar livros, mas meus amigos diziam para eu postar meus poemas na internet e, ao contrário do Daniel que tem esse apego com a literatura falada, eu realmente gosto do livro físico, a questão do pegar e sentir. Então, em 2012, lancei meu primeiro livro chamado de Devolva meu ladro de dentro, composto por poemas que já tinha escrito há algum tempo e que são curtos. É um dos meus favoritos, desde a capa até os impactos que ele produz. Nas vestes do peixe as palavras de ontem, tem esse título por causa do trecho de um poema que escrevi e que foi publicado em uma coletânea. Também gosto muito desse livro, pois foi escrito por partes e toda vez que eu ia dar continuidade ao processo de criação costumava reler todo o livro, e isso colaborou para que ele tenha esse aspecto de ser um único e grande poema dividido em três partes. Agora em Manga Espada, eu voltei às memórias. O livro tem relação com minhas lembranças da infância, com a minha avó, mas também pode representar uma maturidade, ao contrário do que muitos pensam, ele não tem nenhuma relação com as minhas filhas e meu desejo era ter lançado antes do nascimento delas, porém não deu. Para elas, eu e Daniel escrevemos um livro durante a gravidez que fala sobre esse momento especial, porém nós só entregamos aos íntimos quando iam visitá-las. 

PET: No seu terceiro livro percebo um ar mais maduro na sua escrita e você fala sobre particularidades de ser mulher. Como você enxerga o papel das mulheres em nossa sociedade? 

Sinhá: Eu estava até conversando com o Daniel esses dias, pois para mim ser mulher é todo dia escolher e se impor. Se impor perante as dificuldades, a discriminação, o preconceito, os sentimentos e a tudo que nos é muitas vezes imposto. É incrível ser mulher, é doloroso por motivos que todos nós conhecemos e que não preciso citar no momento, contudo é mágico depois da maternidade. Posso dizer que é surreal, não sei nem o que falar, o fato de você dar à luz a outra vida é inexplicável. Dói, mas é mágico. Eu queria ser mulher nesta vida e na outra, e na outra, e na outra, enfim. Isso se reflete nas minhas obras, pois é feminina, porque sou mulher escrevendo, sou uma mulher pintando e sou uma mulher sentindo.

PET: Octávio Paz diz que a poesia é o alimento dos eleitos e o pão dos malditos, ou seja, que ela está aí para todos. Você que tem uma poesia acessível tanto a pessoas que podem comprar um livro, quanto a pessoas que simplesmente leem seus grafites. Você acredita que a poesia tem alguma função social? 

Sinhá: Total! Eu acredito e é por isso que continuo fazendo. Acredito muito não só no poder da poesia, mas no poder da arte como um todo, seja na música, na pintura, no teatro ou no cinema. Eu acho que o ser humano precisa de arte, para se expressar, para sentir e para construir um entendimento de si, mas é um pensamento que é meu, porque encontramos várias pessoas, até amigos que nos conhecem desde pequenos e de repente vêm, conversam, e vejo que o que eu quis dizer através dos desenhos ou dos poemas não tem nada a ver com o que eles entenderam, pois o que transmiti ali faz parte da minha construção. Outras pessoas poderão compreender de uma forma diferente, pois fará parte da construção de um outro ser que compreendeu de maneira distinta o que escrevi. Por isso vamos seguindo persistente, porque eu acredito nessa característica sim!

PET: Sinhá e Daniel Minchoni, muito obrigado pelo tempo e atenção em nos conceder essa entrevista. Muito sucesso para vocês.

Minchoni: Nós é que agradecemos.

Sinhá: Eu é que agradeço, muito obrigada pelo carinho.

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