quinta-feira, 22 de março de 2012

Entrevista: Sheyla Azevedo



“Meus gatos gostam de brincar com as minhas baratas.”
De 8 a 14 de março, o curso de Letras da UnP, com o apoio do grupo PET/Literatura Norte-Rio-Grandense, realizou a XI Semana Mulher e Poesia, com o tema “A palavra é o meu domínio sobre o mundo” (Clarice Lispector). O evento contou com a participação das poetisas Anchella Monte e Lisbeth Lima e da jornalista e blogueira Sheyla Azevedo, que, na ocasião, foram entrevistadas por Canniggia de Carvalho e Talles Campello, alunos do 5a série de Letras e bolsistas do PET.
 

PET: Numa breve descrição sua postada no seu blog, usando versos da Adília Lopes, você diz: “Uma bailarina e um estivador habitam em mim. Eles não convivem muito bem, nem exijo isso deles. E tem outra coisa: “Meus gatos gostam de brincar com as minhas baratas“. De que forma isso se aplica em você?

Sheyla Azevedo:
Bom, na verdade, a primeira parte dessa citação é minha. Quando, cito “Meus gatos gostam de brincar com as minhas baratas” é que é uma referência a um verso da poetisa portuguesa Adília Lopes. Tentei expressar-me por essa definição ambígua justamente por temer definições. Tudo o que é definidor corre um sério risco de ser, também, (de)limitador e, tanto eu quanto o que escrevo estamos em processo de construção e nada é definitivo. Daí trabalhar com a velha fórmula do duplo, do homem que se vê no espelho e é o mesmo e, por outro lado, é outro, é seu oposto.

PET: Você é formada em Comunicação Social, pela UFRN. Conte-nos um pouco sobre a escolha pelo caminho do jornalismo.

Sheyla Azevedo:
Sempre gostei de escrever. Antes mesmo de ler, eu costumava contar histórias desenhando. Mas eu acho que toda criança faz isso né? (risos). O fato é que foi um processo natural. Primeiro nasceu a leitora, o gosto por ler, o interesse pelo que acontecia ao meu redor e mundo afora. Depois, as pessoas diziam que eu era comunicativa. E fui acreditando nisso até achar que poderia viver escrevendo e “contando histórias” para os outros. É verdade que tentei Direito antes de optar por Jornalismo e flertava também com Psicologia e Arquitetura. Mas, quando passei no vestibular, tinha muita convicção dessa escolha. O fato é que nesses 14 anos de experiência na área jornalística, muitas máscaras foram caindo e dando espaço para uma realidade dura. Tanto àquela que nos reportamos diariamente, quanto para o próprio exercício da profissão, que exige uma espécie de sacerdócio, quase sempre sem grandes compensações (leia-se financeira, principalmente), a não ser pelo próprio trabalho em si. A gente brinca nas redações dizendo que jornalista gosta de sofrer. Os jornalistas ganham muito mal no país, especialmente no Rio Grande do Norte, onde temos o pior piso salarial de todo o território brasileiro. Bom, mas depois de um certo tempo, percebi que não bastava escrever matérias ou reportagens. Não era o suficiente para mim.

PET: E a Sheyla escritora? Como é o seu trabalho como cronista? Onde é que você busca assunto para o seu trabalho?

Sheyla Azevedo:
Quando comecei em redação – como estagiária no Diário de Natal, em 1998 - existia um espaço aos domingos para cronistas. Certa vez, um cronista fixo não mandou o texto há tempo e o editor de cultura, na época Carlos de Souza, me pediu para “tapar o buraco”. Fiz sem nenhuma pretensão e daquele domingo em diante nunca mais deixei de escrever naquele espaço enquanto estive naquele jornal. Percebi que as crônicas me permitiam um olhar mais livre sobre o dia a dia. Em jornalismo existem fórmulas a serem seguidas, de maneira que o leitor compreenda aquele fato que se tornou relevante para virar uma notícia. Mas, na crônica eu poderia falar sobre outros temas, deitar o olhar sobre determinados assuntos que passam despercebidos no exercício da profissão, e até mesmo criar ou fantasiar em cima de determinado fato. A crônica me dava uma certa liberdade poética, uma abordagem mais pessoal daquilo que me tocava e que eu achava que poderia tocar os outros também.

PET: Você possui um blog, o Bicho Esquisito, que, de certa forma, é uma maneira de colocar a sua palavra no mundo. Como você lida com isso?

Sheyla Azevedo:
Já tive três blogs (primeiro foi o Entremundos e o segundo nem lembro o nome). O Bicho Esquisito é o que tem vida mais longa até agora. O fiz porque percebi que até mesmo no jornal, por conta da limitação do espaço e do perfil dos leitores, não dava para escrever tudo o que eu queria. Por exemplo, se eu quisesse fazer um texto mais curto ou um poema ou descrever uma situação do cotidiano que precisasse de um maior número de linhas, não tinha como fazê-lo no espaço do jornal. Eu escrevo para os outros. Se quisesse escrever só para mim, o faria num caderninho de anotações, ou deixaria tudo salvo num arquivo do computador. Se eu faço um blog é porque quero que outras pessoas leiam, sintam, curtam ou até mesmo desgostem. Escrevo porque é a forma que encontro para sobreviver ao cotidiano, às contas para pagar, ao trabalho exaustivo, às frustrações. Muito embora não creia na escrita como uma salvação para todo o resto. A escrita é um caminho possível para meu contato com o mágico, a contemplação, a criatividade e a imaginação. E quero dividir isso com meus meia dúzia de leitores (risos).

PET: O blog proporciona uma maior interação entre escritor e leitor tornando mais fácil e prático a comunicação com os seus seguidores. Você tem o retorno do seu leitor? Eles comentam com você as impressões que têm sobre os seus textos?

Sheyla Azevedo:
E vou confessar uma coisa, adoro quando alguém faz um comentário e divide suas impressões sobre o que escrevi. Porque escrever é um ato muito solitário. É diferente do teatro ou da música, por exemplo, que o trabalho só se concretiza no palco, diante das pessoas e o artista pode ver as reações. Mas, ao longo desse tempo que escrevo no Bicho e nos jornais – tenho uma coluna nas terças-feiras, no Novo Jornal – percebo que tem pessoas que preferem dar um feedback pessoalmente, ao invés de escrever no blog. É como se elas ficassem inibidas de escrever suas impressões. O fato é que toda vez que alguém me aborda, seja no blog ou pessoalmente, eu penso que o ciclo se fechou, desde o momento em que eu decidi escrever, passando pelo ato da leitura do outro, até a comunicação de volta.

PET: Trazendo a colocação de Clarice Lispector: “a minha palavra é o meu domínio sobre o mundo”, como você se posiciona, como escritora, perante esse fragmento?

Sheyla Azevedo:
A Clarice Lispector era e é uma escritora que conseguia dominar o mundo através do que escrevia. “Morro de medo e admiração pela vida”, disse ela certa vez. Acho esse fragmento fascinante. Mas isso não é uma coisa que se pretenda, isso é uma coisa que vai se desenhando ao longo de uma sofrida e abnegada trajetória. Certamente, esse fragmento que vocês utilizam para nos provocar foi algo que a Clarice deve ter dito depois de muitos anos no exercício da escrita. Algo que ela conquistou a duras penas, a cada palavra, frase, período e páginas e páginas que compõem um livro. Ainda estou no processo de me deixar dominar pela palavra; de me encantar com as possibilidades de tecê-las em poesia ou em prosa poética. Penso que o domínio da palavra para o escritor é muito mais entrega que poder.

PET: Por fim, o que podemos esperar de Sheyla Azevedo para este ano?
Sheyla Azevedo:
A pergunta mais difícil (risos). Estou em negociação com alguns bons projetos e já posso falar de um deles: escrever uma biografia, possivelmente sobre Newton Navarro. E, mesmo o trabalho me consumindo dois terços do dia, pretendo continuar escrevendo no Bicho Esquisito – embora sem uma frequência sistemática -, escrevendo no Novo Jornal e, sempre, lendo muito, com muito ou pouquíssimo tempo.

2 comentários:

  1. Obrigada pelo convite e pelo carinho. Sou fã do trabalho de vocês. Sucesso, boas leituras e boas notas. Sintam-se todos abraçados! Sheyla de Azevedo.

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  2. Nós que agradecemos a sua presença, ganhamos todos! Abç

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